VAMOS ESTUDAR OS PRINCÍPIOS RECURSAIS?!!

Texto de Sebastião de Oliveira Castro Filho. Ministro Aposentado do Superior Tribunal de Justiça, Professor de Direito Civil e Processual Civil

Princípios informativos e fundamentais. Sob o aspecto etimológico, o vocábulo princípio pode significar início, começo, ponto de partida. Visto por outro ângulo, contudo, pode o vocábulo ser admitido como mandamento nuclear de um sistema, alicerce básico a irradiar influência sobre diferentes normas.

Em razão disso, a violação de um princípio é de gravidade muito superior à transgressão de uma norma, como simples regra. O princípio é também uma norma, mas não se confunde com simples regra, por ser mais abrangente. De sorte que de um princípio é possível extraírem-se regras, ao passo que uma regra não gera princípios.

Os princípios podem ser informativos ou fundamentais. Os informativos são verdadeiros axiomas, presentes em todos os ordenamentos legais, sem os quais sequer pode haver processo. Por isso mesmo, são considerados normas ideais, imprescindíveis ao sistema. Já os princípios fundamentais sofrem influência direta de aspectos políticos, éticos e ideológicos, podendo variar segundo a realidade de cada país. Estão entre estes aqueles que inspiram e orientam, de modo que somente pela identificação e compreensão dos princípios, como elementos basilares de um sistema, é que se pode conceber e qualificar as características próprias dos [institutos].

Princípios recursais ou de impugnação. Como já consignado, aos recursos, em si, os princípios aplicáveis são os fundamentais. Não são poucos, mas, tendo em vista a finalidade do presente trabalho, mencionaremos apenas alguns, que se situam entre os mais importantes:

Princípio dispositivo. É princípio basilar em quase todos os sistemas processuais, através do qual se fixa ao julgador o âmbito de conhecimento e de decisão da questão posta à apreciação da Justiça. Em razão de sua existência e observância, os recursos projetam certos reflexos, que implicam no chamado efeito devolutivo. Tal princípio, no entanto, em se tratando de recurso – assim como já ocorre no que diz com a produção de provas – não é absoluto; pode fragilizar-se, em alguns casos, em vista da aplicação, paralela, de um outro princípio – o inquisitório. Esses princípios, embora colidentes na aparência, podem ter convivência pacífica, dependendo do caso em concreto.

Assim, em se cuidando de direito disponível, integrante do patrimônio material do recorrente, aplicar-se-á o princípio dispositivo. Ao contrário, em se tratando de direito indisponível, impõe-se a aplicação do princípio inquisitório. É o que ocorre, v.g., na presença das denominadas questões de ordem pública, que, por serem de interesse geral, sobrepõem-se ao das próprias partes, e, ainda que sem provocação, pode o julgador delas conhecer, excepcionando, portanto, o princípio dispositivo.

Princípio da voluntariedade. Para que possa um recurso ser apreciado, é imprescindível a presença de dois elementos de suma importância: a declaração expressa de insatisfação com a decisão impugnada e a exposição das razões que levam o recorrente a se inconformar com a decisão atacada. É dizer, não basta afirmar o incontentamento; é preciso dar as razões do inconformismo. Nisso consiste o princípio da voluntariedade, que, como se vê, está estritamente ligado ao princípio dispositivo.

Princípio da dialeticidade. Por ele, entende-se que o recurso, como todo e qualquer discurso, deve ser dialético, isto é, deve apresentar argumentos. Não basta ao interessado manifestar, apenas, a vontade de recorrer; deve, também, dar os motivos pelos quais recorre, alinhando as razões de fato e de direito que embasam o inconformismo, assim como o pedido de nova decisão, se for o caso. É de se observar que a violação desse princípio pode levar ao ferimento de outro, no que toca à parte contrária: o do contraditório.

Princípio da singularidade. Esse princípio é também denominado princípio da unicidade ou da unirrecorribilidade. Quer ele dizer que as decisões judiciais só podem ser impugnadas por meio de um único instrumento, isto é, não se admite, ao mesmo tempo, a interposição de mais de um recurso contra uma mesma decisão. Tal princípio deflui de dois fatores preponderantes, em matéria de processo a incindibilidade das decisões monocráticas e o respeito à preclusão consumativa. Assim, mesmo que se divida a sentença em capítulos, para fins recursais não se admite qualquer divisão.

Princípio do duplo grau de jurisdição. Como já dito, esse princípio, basilar em matéria de recurso, surgiu com o aparecimento da possibilidade de impugnação de uma decisão judicial, submetendo-a à apreciação de uma autoridade hierarquicamente superior. Foi, portanto, instituído no Direito Romano, em sua fase pós-clássica, com a criação da appellatio. E isso se deu, como também já afirmado, em vista da falibilidade inerente ao ser humano que, mesmo bem intencionado e devidamente preparado, técnica e cientificamente, pode errar. O princípio, realmente fundamental, acabou por se consagrar e hoje está enraizado na generalidade dos ordenamentos jurídicos, com base, em muitos deles, na própria Carta Magna do respectivo país. Sem embargo da existência de respeitáveis opiniões em sentido contrário, entendemos que se cumpre o princípio do duplo grau de jurisdição mesmo quando o segundo pronunciamento não é proferido por juiz de grau hierárquico superior; basta que o segundo pronunciamento se origine de juízes outros, que não aqueles que antes se pronunciaram, ainda que da mesma hierarquia. O que importa é que a questão seja submetida, sucessivamente, a julgadores diferentes, como ocorre, por exemplo, hoje, no Brasil, nos juizados especiais, em que as decisões monocráticas podem ser submetidas a um colegiado de juízes também de primeiro grau.

Princípio da taxatividade. De acordo com esse princípio, só se consideram recursos aqueles meios de impugnação que, como tal, são admitidos em lei. No Brasil, a Constituição Federal estabelece competir à União legislar, com exclusividade, sobre Direito Processual. Ora, sendo os recursos matéria relacionada estritamente ao Direito Processual – já que constituem a continuação do direito de ação e de defesa – só se podem considerar como recurso os meios impugnativos referidos em lei federal. A grade recursal brasileira, todavia, é descomunal; não merece ser imitada, pois acaba por constituir-se, muitas vezes, em verdadeiro entrave a uma prestação jurisdicional célere.

Princípio da fungibilidade. A fim de não prejudicar o recorrente, a doutrina e a jurisprudência permitem o recebimento do recurso inadequado, como se fosse adequado, assim aplica-se o princípio da fungibilidade recursal, desde que preenchidos alguns requisitos.

Após a edição do CPC/73 foi gerada dúvida acerca da adoção ou não do referido princípio, pois nele deixou de reproduzir a regra expressa existente no art. 810 do CPC/39.

Conforme o Professor Alfredo Buzaid, autor deste anteprojeto, o artigo 810 do CPC/39 deixaria de ser inserido, exatamente para retirar do sistema a possibilidade de se receber o recurso inadequado. De acordo com CPC/73 afasta a possibilidade de erro no momento da interposição do recurso, porém com a nova edição do CPC, parte da doutrina passou a defender a inexistência desse princípio no ordenamento.

Em termos abrangentes, a doutrina e a jurisprudência passaram a reproduzir os requisitos do art. 810 do CPC/39 para a aplicação do princípio, ou seja, ausência da má-fé (incluindo a tempestividade) e de erro grosseiro. A fungibilidade se justifica à luz do princípio da instrumentalidade das formas (arts. 244, 249, parágrafo 1º, 250, todos do CPC).

A dúvida objetiva, em razão de divergência doutrinária e jurisprudência acerca do cabimento de um ou de outro recurso, significa que não basta a existência de simples dúvida subjetiva, íntima, do recorrente.


Princípio da proibição de reformatio in pejus. Esse princípio, que decorre dos arts. 2º, 128 e 460 do CPC – o órgão jurisdicional somente age quando provocado e nos exatos termos do pedido, consiste na vedação imposta pelo sistema recursal brasileiro, quanto à reforma da decisão recorrida em prejuízo do recorrente e em benefício do recorrido.

Conforme consta no art. 5l5 do CPC, apenas a matéria impugnada pelo recorrente é devolvida ao tribunal ad quem; se o recorrido não interpuser o recurso, não poderá o tribunal beneficiá-lo.

Se a decisão for favorável em parte a um dos litigantes e em outra parte a outro litigante, poderão ambos interpor recursos; nesse caso, não se há quem falar em reformatio in pejus, porque o tribunal poderá dar provimento ao recurso do autor ou do réu ou negar provimento a ambos, nos limites dos recursos interpostos.

As exceções ao princípio acima mencionado, são aplicados aos requisitos da admissibilidade dos recursos, conforme a esteira do rol do art. 30l do CPC, salvo o conhecimento de convenção de arbitragem. O juiz deve conhecer o ofício, não se operando a preclusão, por força dos dispostos nos arts. 267 parágrafo 3º e 30l parágrafo 4º do CPC, assim não se aplicam a proibição da reformatio in pejus, porque tais questões podem ser conhecidas a qualquer tempo, independentemente de manifestação das partes.

Não pode ser admitida, à luz do princípio dispositivo, a reformatio in melius, não podendo o órgão ad quem, julgar o recurso, tentando melhorar a situação do recorrente além do que foi pedido , sob pena de proferir decisão ultra ou extra petita.

O reexame necessário é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública conforme a Súmula 45 do STJ in verbis.


Conclusão. Em resumo, qualquer ordenamento jurídico que se pretenda moderno, deve adotar, em sua estrutura recursal, princípios como esses. E mais que isso, deve enxugar, ao máximo, sua grade recursal, adotando meios de mpugnação incidentais apenas para evitar preclusões, sem suspensão do processo, transferindo a apreciação do recurso para momento apropriado futuro.

Deve-se ter presente que, na grande maioria dos países filiados à chamada “civil law”, o que mais tem contribuído para a descrença dos jurisdicionados é a demora da prestação jurisdicional. E a multiplicidade de meios de impugnação, com prazos muitas vezes alongados para sua interposição, muito tem contribuído para isso.

Tenhamos sempre presente: os recursos são imprescindíveis, pois que são meios de democratização das decisões judiciais, mas desde que usados com a devida parcimônia, e construídos com base em princípios que possam bem fundamentá-los.

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