STJ admite primeiro incidente de assunção de competência em recurso especial


Um dos grandes problemas do judiciário brasileiro é conseguir dar uma resposta ao cidadão de tal maneira que ele se sinta seguro de que todos os casos idênticos ao dele serão julgados da mesma maneira.

Era comum o cliente ouvir do advogado que patrocinou uma causa idêntica a de um amigo a frase: "seu amigo ganhou a causa por que teve mais sorte que você!" Essa era a única justificativa plausível quando processos judiciais idênticos obtinham julgamentos divergentes perante um mesmo tribunal.

A afronta aos Princípios da Segurança Jurídica e Isonomia enfrentada durante muitos anos pelos jurisdicionados brasileiros provocou a criação no Novo Código de Processo Civil de diversos mecanismos a fim de que os Tribunais possam - finalmente - manter sua jurisprudência estável, uniforme e coerente.[1]

Para que isso passe a ocorrer perante os Tribunais ordinários, TJ's, TRF's, TRT's e TRE's, foram criados institutos como o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) e o Incidente de Assunção de Competência (IAC), previstos respectivamente nos artigos 976 e 947, do CPC/15.

De acordo com o §4º, do artigo 947, o IAC pode ser utilizado quando ocorrer "relevante questão de direito a respeito da qual seja conveniente a prevenção ou a composição de divergência entre câmaras ou turmas do tribunal."

Ocorre que a divergência de entendimentos sobre aplicação do direito material ou processual também acontece em Tribunais Superiores, como o STJ ou o STF. De tal maneira que os regimentos internos dos referidos tribunais foram alterados para prever o cabimento e processamento dos novos institutos de uniformização trazidos pelo CPC/2015.


Em 08/02/2017, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça admitiu o primeiro incidente de assunção de competência (IAC) que irá discutir e firmar tese a respeito do reconhecimento da prescrição intercorrente durante a fase de execução de um título, seja ele judicial ou extrajudicial.

De acordo com o voto do relator, Min. Marco Aurélio Belizze, o entendimento a respeito dessa matéria é absolutamente divergente entre a terceira e a quarta turmas que compõem a segunda seção do STJ.

Para a terceira turma, incide a prescrição intercorrente, quando o exequente permanece inerte por prazo superior ao de prescrição do direito material vindicado, independentemente de prévia intimação do juízo ao credor, como por exemplo, se durante o cumprimento de uma sentença que condenou o inquilino a pagar aluguéis em atraso, o processo ficasse suspenso por mais de três anos sem localização de bens passíveis à penhora (art. 205, §3º, inciso I, CC). Nessas hipóteses, não haveria necessidade de intimar previamente o credor, podendo o juízo decretar de ofício a prescrição intercorrente, cabendo apenas conceder ao exequente a oportunidade para demonstrar causas interruptivas ou suspensivas da prescrição[2].

Já em julgamentos recentes da quarta turma do STJ, restou consolidado o entendimento de que é indispensável a prévia intimação pessoal do exequente para dar andamento ao feito antes que possa ser decretada pelo juízo a prescrição intercorrente do processo de execução[3].

Para o Ministro Belizze, verificou-se, no caso em tela: 



A existência de notória e atual divergência entre os entendimentos das duas Turmas que compõem a Segunda Seção do STJ, bem como estar-se diante de matéria exclusivamente de direito e de relevante interesse social, porquanto cuida da aplicação de norma cogente. Com efeito, o novel incidente, nascido de disposição expressa do Código de Processo Civil, destina-se, entre outros fins, à prevenção e composição de divergência jurisprudencial, cujos efeitos são inegavelmente perversos para a segurança jurídica e previsibilidade do sistema processual.
                                                   ”
Segue abaixo a ementa referente à matéria que será analisada pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (IAC no REsp no 1604412):


"EMENTA: PROPOSTA DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. INCIDENTE INSTAURADO DE OFÍCIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. INTIMAÇÃO PRÉVIA DO CREDOR. ANDAMENTO DO PROCESSO. RELEVANTE QUESTÃO DE DIREITO. DIVERGÊNCIA ENTRE AS TURMAS DA SEGUNDA SEÇÃO.

1. Delimitação da controvérsia:

1.1. Cabimento, ou não, da prescrição intercorrente nos processos anteriores ao atual CPC;
1.2. Imprescindibilidade de intimação e de oportunidade prévia para o credor dar andamento ao processo.

2. Recurso especial afetado ao rito do art. 947 do CPC/2015."


A decisão do relator segue as regras do artigo 271-B do Regimento Interno do STJ e do artigo 947 do novo CPC. Segundo esses dispositivos, o IAC pode ser proposto pelo relator, quando o processo envolver relevante questão de direito, com grande repercussão social e sem repetição em múltiplos processos (quando o caso pode ser submetido ao rito dos recursos repetitivos).
O novo CPC prestigiou a figura do IAC com mudanças significativas, que foram regulamentadas no âmbito do STJ a partir da publicação da Emenda Regimental 24, de 28 de setembro de 2016. Por meio do incidente, o processo pode ser julgado por um órgão fracionário diferente daquele que teria, originalmente, competência para a matéria.
Assim como os recursos especiais repetitivos e os enunciados de súmula do STJ, os acórdãos proferidos em julgamento de IAC agora são identificados como “precedentes qualificados” (artigo 121-A do Regimento Interno). Na prática, isso significa que as teses adotadas em assunção de competência devem ser observadas de forma estrita por juízes e tribunais.
Para garantir a observância dos acórdãos proferidos em julgamento de IAC, caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público, conforme o inciso IV do artigo 988 do CPC.
Leia o acórdão na íntegra.






[1] Art. 926.  Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
§ 1o Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.
§ 2o Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação. (CPC/2015)

[2] Decisões da Terceira Turma do STJ: REsp 1.589.753/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Turma, DJe 31/05/2016; REsp n. 1.593.786/SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 30/9/2016; REsp n. 1.589.753/PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe 31/5/2016; REsp n. 1.522.092/MS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 13/10/2015.

[3] Decisões da Quarta Turma do STJ: AgInt nos EDcl no AREsp n. 879.973/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 6/9/2016; AgInt no AREsp n. 787.216/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe 23/8/2016; AgRg no AREsp 542.594/PR, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 9/12/2014, DJe de 15/12/2014; AgInt no REsp n. 1.516.438/PR, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, DJe 3/8/2016.
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1 comentários:

  1. Enfim, ver para crer.
    Obrigado em compartilhar conhecimentos Professora Fernanda.
    Paulo Abreu

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